Às vezes, sonho que estou vendo uma mulher mais velha costurar uma calça. Esse sonho é sempre igual: a mulher tem um vestido rosa, cabelos grisalhos. A calça é de pano, vermelho-escura, muito bonita. E eu sou bem pequeno, uma criança.

Não sei se esse sonho tem alguma origem na minha infância, porque não me lembro, acordado, de ver alguma mulher da minha família costurando. Já pensei que poderia ser o sonho de outra pessoa, que às vezes capto sem querer. Ou um sonho de outra vida. Ou um sonho sobre algo que nunca aconteceu.

Enfim: penso sobre a origem do sonho para tentar entender seu motivo, sua recorrência infinita e milimetricamente acertada. Esse é o único que é sempre igual. A mulher está costurando a calça: conforme ela costura, a calça fica maior, cada vez mais comprida, até chegar no chão. Nesse momento, eu começo a encostar na calça, a sentir sua textura, e fico tão encantado que não percebo como seu comprimento continuou a crescer, crescer, infinitamente.

Chega uma hora em que a calça cresceu tanto que ocupa toda a superfície do quarto. Continua crescendo, até dobrar-se em camadas, que se amontoam umas sobre as outras, e o quarto vai se enchendo com o tecido.

Quando o mar de pano chega até os meus ombros, mais ou menos, a mulher deixa cair a agulha que usava. E diz: você pode pegar pra mim, por favor?

Mas não consigo encontrar: é só uma agulha: afundada, submersa.
por favor?
outra pessoa
a origem do sonho